
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Pois aconteceu que eu, boiadeiro da alma, estava guardando o rebanho de idéias de uma paciente, quando, de repente, ela falou uma palavra, palavra comum do dia-a-dia, palavra que sempre se comportara bem - e aconteceu o inesperado: ela estourou, começou a dar saltos, não na cabeça dela, mas na minha. A palavra que ela disse foi pipoca. Quando ela falou pipoca, algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca em gordura quente dentro da panela. Percebi, então, que as idéias muito se parecem com pipoca. Olhando para um milho de pipoca, quem não sabe não dá nada por ele. Mas, basta que haja fogo para que tanto as pipocas como os pensamentos se ponham a estourar.
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O milho da pipoca não é o que ele deve ser. Ele deve ser o que acontece depois do estouro. Milho de pipoca somos nós adultos: duros, quebra-dentes, impróprios para ser comidos. Mas, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa...
Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Pipoca que não passa pelo fogo fica do mesmo jeito.
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Em Minas todo mundo sabe o que é piruá. Piruá é a pipoca que se recusou a estourar. Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode haver coisa mais maravilhosa di que o jeito como elas são. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não se transformar em flor branca e macia, deliciosa de ser comida com um salzinho. Não vão dar alegria para ninguém. Comidas as pipocas, os piruás vão para o lixo. Esse é o destino das pessoas que se recusam a mudar. Quanto às pipocas que estouram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...
Texto extraído do livro Um céu numa flor silvestre
Pipocas e Piruás
Rubem Alves.
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