15 dezembro, 2005

RUBEM ALVES

O VELHO QUE ACORDOU MENINO

Saiu publicado pela editora Planeta a primeira parte das minhas memórias, memórias de infância, com o título O Velho que acordou menino. Expliquei na orelha do livro:
“São estórias da minha infância, em Minas Gerais, estórias muito antigas... Muitas delas eu não vivi. Tornaram-se memórias minhas porque as ouvi da boca de outros. Por que haveria alguém de se interessar pelas estórias que um velho ( detesto a palavra “idoso”...) conta sobre a sua infância? Porque, embora não saibamos, todos andamos pelos mesmos lugares. Bernardo Soares escreveu que arte é comunicar aos outros nossa identidade íntima com eles. No fundo somos idênticos. É o que torna possível a comunicação, a literatura. Alguém disse que a palavra “queijo” só tem sentido para alguém que já comeu queijo. Não é possível comunicar o gosto e o cheiro do queijo a quem nunca comeu queijo. A literatura é possível porque todos já comemos queijo. Todas as nossas infâncias são variações sobre os mesmos temas. As memórias contadas fazem ressoar, no leitor, o seu próprio passado adormecido. Assim, não se trata de um encontro com as memórias de um outro, diferentes das minhas. Trata-se de um reencontro com o nosso próprio passado. Se isso não acontecesse o texto escrito seria um texto morto. Murilo Mendes nos lembra que todos os textos são feitos com pedaços do autor. Acho que isso é verdadeiro dessas minhas memórias. Sobre elas posso dizer “Isso é o meu sangue, isso é o meu corpo”. Peço, portanto, aos meus leitores, que me leiam antropofagicamente... É a antropofagia que nos torna iguais. É a antropofagia que cria a comunhão.”
Abaixo uma amostrinha:
OS CENTAUROS


O barulho de ferro batendo nas pedras me acordava de madrugada. O ruído das ferraduras se misturava com o relinchar dos cavalos. Eu me levantava e abria a única bandeira da janela. Só um pouquinho porque tinha medo de que me vissem. Eram seres misteriosos, misturas de homens e cavalos que, na bruma da manhã me faziam imaginar centauros. Das ventas dos cavalos saia fumaça quando relinchavam. Como se fossem dragões. Do ângulo pelo qual os observava através da fresta da janela não me era possível ver os rostos dos soldados. Via-os pelas costas, inumeráveis, iam vagarosamente, a passo. Um exército inteiro de soldados dotados de força descomunal, a caminho de uma batalha. Que iam para uma batalha era certo: os fuzis pendentes dos coldres, ao lado direito das selas, esperavam a hora do fogo. Passado o último centauro eu fechava a janela, voltava para a cama e ficava a imaginar a batalha, até dormir.
***
Também não gosto de "idoso"...
Adoro o Rubem, este velho menino!
Eu?!
veja o que eu lembrei agora
(e se alguém aí souber de quem é a citação,
ganha um doce!):
A cada dia, sob todos os aspectos
vou cada vez melhor!
Bom dia à todos os passantes!

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