07 julho, 2009

DA SÉRIE COLUNA ALHEIA

Eis como defino o talento: um dom que Deus dá em segredo e que revelamos sem o saber.
Montesquieu



Lembro a obra do cineasta polonês Krzysztof Kieslowski e a comparo com nosso tema, dizendo que o dom é branco, o talento é vermelho e a vocação é azul, porque essa trilogia de cores formaria o pequeno arco-íris de nosso destino. O dom é branco, espiritual, porque é um presente de Deus ou, se soar melhor para você, da Natureza, que é onde sentimos mais a presença divina. O talento é vermelho porque depende da força, do suor, do músculo, da determinação para ser desenvolvido e aprimorado. A vocação é azul porque representa um chamado, algo que vem do horizonte, da imensidão da linha onde o mar se transforma em céu da vida.
A questão é que algumas pessoas nascem com algo especial, que lhes permite realizar bem alguma coisa, com extrema facilidade. E não estou falando só dos gênios. Tá bom que o Mozart compunha uma sinfonia inteira em instantes, que o Niemayer desenha uma catedral em um guardanapo e que o Ronaldinho Gaúcho faz misérias com a bola desde a infância. Mas também tem a Ivonete, a piauiense que cozinha lá em casa, que pega uma receita velha e dá seu toque pessoal, tem o professor Haroldo, que conseguiu me ensinar matemática no ginásio. Pessoas que têm o dom.

Já o talento é outra coisa, parecida na essência, mas diferente na origem. Ao contrário do dom, o talento pode ser desenvolvido com treino, disciplina e obstinação. Ok, há um componente natural, incrustado no DNA de seu dono, mas, lembrando Einstein, "talento é 1% inspiração e 99% transpiração". Há quem tenha dom, mas não talento. São os potenciais desperdiçados, gente que nos leva a dizer: "Ah, Deus dá asas a quem não quer voar". Não adianta a inspiração sem a transpiração, que significa a disciplina para desenvolver seu potencial.

E, quanto à vocação, esse substantivo feminino também tem origem latina e significa o ato de chamar. Quem segue sua vocação obedece a um chamado. Ouve a voz e responde com sua atitude. E como perceber esse chamado? Eu acho que essa voz tem um timbre e uma intensidade. O timbre é o prazer e a intensidade é a facilidade. Quando faço algo que me dá prazer, e com relativa facilidade, especialmente após algum treino, estou atendendo à minha vocação.

O psicólogo americano Mark Albion nos dá pistas em seu livro Making a Life, Making a Living (algo como: construa sua vida, construa um estilo de viver), sem edição brasileira, ainda. A obra é baseada em uma pesquisa feita com 1500 jovens que saíam de suas universidades e procuravam suas carreiras.

Albion percebeu que, do total de jovens, 83% buscavam realização financeira. Eles queriam to make money, como dizem os americanos. Os outros 17% relatavam que estavam interessados em atender à sua vocação, que era definida por eles como "algo que me dê prazer, satisfação, que eu goste de fazer". A pesquisa acompanhou esses jovens por 20 anos e, após esse tempo, constatou que, do total, 102 haviam alcançado imenso sucesso em suas carreiras, inclusive financeiramente. Destes, 101 pertenciam ao grupo dos 17%. Aqueles que, ao caçarem o sucesso, miraram no prazer e acertaram na vocação.

Pois é. Se, para a maioria das pessoas, é difícil identificar a vocação, um talento natural, uma excelente saída é buscar o prazer. Se você gosta do que faz, tende a fazer bem feito, tem melhores resultados e é reconhecido. E isso só aumenta seu prazer em fazer o que faz, criando um ciclo virtuoso.

Afinal, ser talentoso é ser feliz, demonstrar leveza na lida diária, encarar os problemas como parte da atividade, criar um estilo pessoal ao realizar um trabalho comum. É possível ser um tintureiro talentoso, um cabeleireiro genial. O talento não é demonstrado apenas pelas divas da música, pelos escritores premiados, pelos atores e atrizes. Há caixas de banco talentosos e caixas de banco que parecem aprisionados, condenados a fazer um trabalho de que não gostam. Há vendedores que transpiram alegria, e por isso vendem mais, e vendedores que não encontraram outra coisa para fazer, por isso realizam o trabalho sem prazer e sem sucesso.

Persiga o prazer, junto você alcançará a realização. O mundo está cheio de pessoas que abriram mão de uma carreira supostamente "de sucesso" para realizarem seu sonho, aparentemente "maluco". Conheço um advogado que virou chefe de cozinha, uma bióloga que virou designer, uma psicóloga que virou roteirista, um engenheiro que abriu uma casa de sucos, uma analista de sistemas que "se encontrou" como leiloeira de arte.

Gente louca? Pode ser, mas, como canta a talentosa Rita Lee: "Dizem que sou louca por pensar assim mais louco é quem me diz que não é feliz!".

(trecho extraído do texto "Dom e Talento" de Eugenio Mussak
publicado no Dlog Brasil, do Luciano Pires)

*

eu sou feliz
e, mesmo quando não estou feliz,
sinto que é questão externa
aborrecimentos por conta de terceiros
e consigo trafegar (as vezes, trombar!)
pela vida com certa leveza.
a insustentável leveza do ser
me anima!

*
bom dia, querentes!

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